Enfrentamento à LGBTQIAfobia: ações do MDHC com foco em grupos vulneráveis alcançam todos os territórios

Ao buscar por emprego, Lais Souza, de 21 anos, viveu na pele o preconceito pelo qual pessoas transexuais como ela são vítimas todos os dias no Brasil. A jovem havia saído com uma amiga, também mulher trans, para entregar currículos, quando a atendente de uma das lojas que visitou reagiu rasgando os documentos. “A gente só quer trabalhar, não sei o porquê desse preconceito todo”, questiona.

Lais foi expulsa da casa de sua família por ser uma mulher trans e viveu por um tempo em situação de rua. Encontrou abrigo na Casa Miga, em Manaus (AM), uma unidade de atendimento que integra o programa Acolher+, do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC). A ação é voltada ao fortalecimento de instituições de acolhimento de pessoas LGBTQIA+ em situação de vulnerabilidade social ou com vínculos familiares rompidos em decorrência da discriminação por conta da identidade de gênero, orientação sexual ou características sexuais.

Ao chegar na casa, ela foi recepcionada por um assistente social. “O João me tratou muito bem, me direcionou aos quartos e pediu para as acolhidas me mostrarem a casa. Até hoje, estou aqui”, contou. Lá se vão três meses desde então.

Hoje, ela é uma das seis pessoas trans em situação de vulnerabilidade que moram na Casa Miga. Outras 62 recebem atendimento todos os dias, o que inclui atividade de formação profissional e refeição.

Atualmente, o Acolher+ apoia 12 casas de acolhimento em nove estados do país (Alagoas, Amazonas, Ceará, Espírito Santo, Maranhão, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e São Paulo) e no Distrito Federal.

“Aqui a gente se sente feliz, usamos a roupa que queremos sem ter a preocupação de que vão tirar onda ou coisa do tipo. Me sinto segura e nem gosto de pensar em quando eu for embora, sinto que aqui é meu castelo. A Casa me ajudou a me sentir mais forte, a ser quem eu realmente quero ser, sem preconceito”, relatou.

Fora das ruas, Lais encontrou na Casa Miga a chance de trilhar outros caminhos. Lá, sentiu-se segura e protegida: participou de cursos de formação, e hoje trabalha como auxiliar interno de logística em uma empresa do ramo varejista.

Acolher+

A manutenção das unidades de acolhimento ocorre em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ). Por meio de acordo firmado com a instituição, o Acolher+ já destinou mais de R$ 1,9 milhão para a aquisição de alimentos e material de consumo, e garantiu a contratação de 24 bolsistas que atuam na prestação de serviços oferecidos por essas casas.

“A Casa nos ajuda em tudo: moradia, alimentação, terapia, oficinas, cursos e o mais importante, amor. Eles nos capacitam para o mercado. Isso nos fortalece e nos deixa mais prontas para o mundo. Não sei onde estaria se não tivesse recebido esse acolhimento”, afirmou Lais.

Territórios

A violência contra pessoas LGBTQIA+ não ocorre apenas nos grandes centros urbanos, mas também em territórios indígenas, quilombolas, ribeirinhos, camponeses, ciganos, caiçaras, entre outras localidades.

Jéssica Kaiowá, de 29 anos, conta que já passou por situações de violência física e verbal por ser uma mulher indígena lésbica dentro da própria família. “Meu irmão mais velho me bateu e falou que eu deveria ter casado com um homem. As pessoas falam coisas que machucam”, disse.

Bem Viver+

Uma das bolsistas do programa Bem Viver+, na Aldeia Limão Verde, em Amambai (MS), ela ajuda a mapear os territórios em que há risco de violência contra a população indígena LGBTQIA+. “A gente fica na linha de frente para conversar e interagir com as pessoas dos territórios da etnia Guarani-Kaiowá”, explica.

Desde junho de 2024, o programa forma defensoras e defensores de direitos humanos que atuam em 34 territórios, prevenindo violências e fortalecendo a proteção social. A maioria é formada por lideranças locais como Jéssica que residem nos territórios atendidos pelo programa. Estima-se que mais de 1,5 mil indígenas foram atendidas com as formações.

Levantamento realizado pelo MDHC aponta que, de 2022 até hoje, pelo menos oito indígenas LGBTQIA+ foram assassinados no Mato Grosso do Sul (MS). Somente em 2023, de acordo com o Conselho Missionário Indiginísta (CIMI), foram registrados 37 suicídios no estado. A maioria era formada por jovens com identidades de gênero e orientações sexuais dissidentes. “Muitas pessoas se suicidam porque colocam na cabeça que isso é errado ou não existe no território indígena”, conta a bolsista.

Em parceria com a FIOCRUZ e os ministérios dos Povos Indígenas (MPI) e da Igualdade Racial (MIR), o Bem Viver+ construiu um conjunto de ações com foco no enfretamento das violências e promoção dos Direitos Humanos às pessoas LGBTQIA+ do campo, das águas e das florestas. Entre as atividades previstas estão a realização de rodas de conversa com jovens indígenas, oitivas em territórios, oficinas de autoproteção e educação popular, além de encontros, seminários e campanhas contra a violência.

A estimava é de que até 47.100 pessoas sejam atendidas em dez estados (Amazonas, Bahia, Ceará, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará, Rio Grande do Sul, Roraima e São Paulo) e no Distrito Federal. “Onde o Bem Viver+ já esteve, trouxe grande ajuda e um grande avanço para os territórios”, destacou Jéssica.

Enfrentamento à violência

Programas como o Acolher+ e Bem Viver+ integram a Agenda de Enfrentamento à Violência contra Pessoas LGBTQIA+, um conjunto de 14 ações voltadas à população LGBTQIA+ lançadas em janeiro pela Secretaria Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+.

“O enfrentamento à violência precisa ocorrer de maneira interseccional, pensando na proteção do indivíduo e na garantia de direitos, de acesso dessa pessoa em todos os lugares, e o impacto que a violência causa nessas pessoas”, ressalta a secretária Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+, Symmy Larrat.

“O cuidado tem que levar em consideração a questão física e a mental, além do impacto que isso pode ter na vida de cada um”, completou a secretária.

Números

Dados do Atlas Da Violência, elaborado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), apontam um aumento nos registros de casos de violência contra pessoas LGBTQIA+ no Brasil. De 2022 para 2023, os casos de violência contra homossexuais e bissexuais subiram 35%, passando de 7,2 mil para 9,8 mil registros.

Ao mesmo tempo, os casos de violência contra pessoas transsexuais e travestis aumentaram 43% no mesmo período. “O aumento foi ainda maior entre os homens transsexuais, embora o volume de registros de vítimas mulheres transsexuais permaneça num patamar bastante superior”, frisou Symmy.

“A violência, se manifesta de várias formas não apenas fisicamente. Mas, mesmo a agressão física atinge a pessoa em diversas camadas, e a tortura psicológica pode deixar a pessoa inerte. É comum, por exemplo, que pessoas LGBTQIA+ da juventude se sintam incapazes, inapropriadas para determinados lugares por terem vivido situações assim”, acrescentou a secretária.

De acordo com o Atlas da Violência, os casos de violência contra pessoas LGBTQIA+ não tratam somente de LGBTQIAfobia, mas, sim, de situações em que essa parcela da população foi vítima.

Segurança pública

O coordenador-geral de Defesa dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+ da SLGBTQIA+, Rafael dos Reis Aguiar, destaca que a instituição da Agenda Nacional de Enfrentamento à Violência contra Pessoas LGBTQIA+ posiciona o Governo Federal, depois de muito tempo, em um caminho consistente rumo à construção de uma segurança pública que endereça as questões da população LGBTQIA+.

“A Agenda de Enfrentamento à Violência contra Pessoas LGBTQIA+ é uma resposta às reivindicações históricas dos movimentos LGBTQIA+ no âmbito da defesa de seus direitos mais fundamentais, como o próprio direito à vida. Cada eixo estruturante se compromete a propor, articular e efetivar ações que buscam responder ao aumento das notificações de casos de violência contra LGBTQIA+”, explica.

Rafael Aguiar adiantou ainda que o MDHC está elaborando um diagnóstico sobre a LGBTQIAfobia em ambiente digital que irá colaborar para a proteção deste grupo populacional.

Leia também:

Em Manaus (AM), equipe do MDHC realiza quarta visita técnica do programa Acolher+ neste ano

Texto: D.V.

Edição: L.M.

Atendimento exclusivo à imprensa:

imprensa@mdh.gov.br

Assessoria de Comunicação Social do MDHC

(61) 2027-3538

(61) 9558-9277 – WhatsApp exclusivo para relacionamento com a imprensa

Fonte: Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania

Deixe comentário

Seu endereço de e-mail não será publicado. Os campos necessários são marcados com *.